A responsabilização civil e criminal por ofensas publicadas na internet

Em um mundo digital, grande parcela da população utiliza a internet para expor opiniões e muitas vezes tecer críticas sobre notícias e personalidades.

A pandemia e a necessidade de isolamento social contribuíram para o aumento de usuários em redes sociais, uma vez que o ato de publicar um comentário foi para muitos a única forma de interação com o mundo exterior.

Em que pese a ideia de que a internet é uma terra sem lei, tal premissa não tem se mostrado verdadeira. Assim como no mundo real, as pessoas podem ser responsabilizadas pelas ofensas proferidas em ambiente virtual, tanto na esfera cível quanto na esfera penal.

Portanto, abordaremos nesta publicação o entendimento jurisprudencial sobre esse tema, que se mostra cada vez mais relevante.

O que é liberdade de expressão?

Antes de tratarmos sobre o tema principal, será necessário conceituar o que é liberdade de expressão, bem como tecer algumas considerações sobre a sua aplicação prática.

A Constituição Federal possui um capítulo específico sobre a Comunicação Social que, através do artigo 220 dispõe que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

No mesmo sentido, o artigo 5º, inciso IV da Constituição dispõe que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, colocando a liberdade de expressão no campo dos direitos e garantias fundamentais.

No entanto, algumas manifestações podem causar danos a outras pessoas e, em alguns casos, podem configurar tipo penal, como ocorre nos crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, definidos através da Lei 7.716/1989.

Assim como a liberdade de expressão; a honra, a imagem, a intimidade, a vida privada e o livre exercício dos cultos religiosos são direitos fundamentais previstos constitucionalmente e, por isso, devem ser protegidos e preservados.

Com isso, é possível que exista conflito entre direitos fundamentais, como ocorre quando uma pessoa utiliza de sua liberdade de expressão para ofender a outra, atacando sua honra e imagem.

A responsabilidade por publicações online e o entendimento jurisprudencial

O Poder Judiciário acompanha a movimentação social, portanto, é comum que o aumento no tempo virtual dos usuários importe no aumento de ações judiciais sobre atos praticados online.

Nesse tópico, iremos abordar a repercussão do tema perante o judiciário.

  • Condenação cível de R$ 100 mil por comentário injurioso realizado através do Instagram

Em maio de 2017, um antiquário foi condenado a pagar R$ 100.000,00 (cem mil reais) à Chico Buarque, sua esposa e suas três filhas após ofendê-los através de um comentário na rede social Instagram.

A publicação em questão era uma foto de família publicada por Silvia Buarque, filha de Chico, e o comentário que acarretou a condenação foi “Família de canalhas!!! Que orgulho de ser ladrão!!!”.

O valor foi arbitrado pela 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sob o fundamento de que houve abuso de direito ao comentar ofensas em fotografia familiar dos autores.

Além da condenação monetária, foi determinada obrigação de fazer de publicar a sentença em dois jornais de grande circulação, bem como na rede social Instagram.

Através do acórdão, a Desembargadora Norma Suely Fonseca Quintes fundamentou que

“(…) a liberdade de expressão do pensamento é incompatível com a autorização prévia, que equivale a verdadeira censura, mas pode ensejar a responsabilização posterior da pessoa em caso de violação à dignidade humana.”.

  • Condenação penal por homofobia contra o ator Paulo Gustavo

Em abril de 2022, um pastor religioso foi condenado a dois anos e nove meses de reclusão pelo crime de racismo cometido contra o ator Paulo Gustavo em publicação no Instagram.

Através da referida rede social, o pastor publicou uma imagem do ator com a legenda “Esse é o ator Paulo Gustavo que alguns estão pedindo oração e reza. E você vai orar ou rezar? Eu oro para que o dono dele o leve para junto de si”.

A ofensa foi reconhecida como racismo em vista de entendimento proferido pelo STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26/DF, que indicou que o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis.

O réu apresentou recurso de apelação e, portanto, a decisão poderá ser reformada.

  • Na esfera penal, Felipe Neto processa apresentadora por calúnia, injúria e difamação

Felipe Neto ingressou com três processos criminais em face da apresentadora Antonia Fontenelle por comentários publicados em rede social e por dizeres em vídeos publicados no Youtube.

Em uma publicação no Instagram feita em julho de 2020, a apresentadora se referiu ao youtuber como “canalha” e “câncer da internet”. O 9º Juizado Especial Criminal da Barra da Tijuca, do Rio de Janeiro, condenou a apresentadora ao pagamento de R$ 63 mil a um fundo penitenciário.

Na sentença, a juíza Simone Cavalieri Frota fez breve exposição sobre o exercício da liberdade de expressão:

“Igualmente não prospera a tese defensiva quanto a estar a conduta da querelada amparada pelo direito à liberdade de expressão, pois o exercício deste direito deve ser acompanhado de responsabilidade, de forma que em contrapartida ao poder-dever de informar, narrar e comentar, exista a obrigação de divulgar a verdade, mesmo que com críticas feitas à conduta da pessoa envolvida na postagem, mas sempre preservando a honra alheia, ainda que subjetiva.”.

A jornalista interpôs recurso da sentença, que até o presente momento não foi julgado.

Em outro processo, decorrente de vídeo publicado no Youtube, a apresentadora afirma que foi ameaçada por Felipe Neto em uma reunião, chama-o de sociopata e induz que ele é usuário de drogas. Por tais afirmações, Antonia foi condenada a pena de um ano e nove meses de detenção em regime aberto, que foi substituída por duas penas de prestação de serviços e ao pagamento de indenização no valor de R$ 40 mil.

A decisão foi proferida pela 34ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e a apresentadora interpôs recurso, o qual encontra-se pendente de julgamento.

Por fim, em novo processo, a apresentadora foi condenada por três calúnias, duas difamações e uma injúria contra Felipe Neto e seu irmão, Lucas Neto. O que objetivou a ação foi um vídeo publicado por Antonia, em que sugere que os irmãos incentivavam a pedofilia.

Nesse caso, a apresentadora foi condenada a prestar serviços para a comunidade.

Há, também, um processo movido na esfera cível em que Felipe Neto e seu irmão, Luccas Neto, processam a apresentadora por danos morais. Esse processo está em fase instrutória, o que significa que ainda não foi proferida sentença.

  • Reconhecida liberdade de expressão em relação à obras, sem caráter de ofensa pessoal

Diferentemente dos casos expostos acima, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não condenou a casa de leituras Gregas e Troianas por banner disposto na entrada do local, que dizia “Se você é racista, machista, homofóbico, se não acha que as ‘obras’ de Bolsonaro, Malafaia, Edir Macedo, envergonham a humanidade… Entre! Esta é uma casa de inteligência e cultura. Nós podemos ajudar você.”.

Os donos da livraria foram processados por Edir Macedo, que requereu indenização por danos morais no valor de R$ 25 mil, além da colocação de uma placa de retratação com a mesma visibilidade da original.

Nesse caso, a livraria não foi condenada, pois não foi feita crítica pessoal às personalidades mencionadas no banner, mas às suas obras.

De acordo com a juíza Silvia Regina Portes Criscuolo na sentença, “a ré se expressou nos limites do admissível, sem atingir a honra ou imagem do autor“.

O autor, Edir Macedo, opôs embargos de declaração da sentença. Portanto, a decisão ainda não transitou em julgado, o que significa que poderá ser modificada se interposto recurso de apelação.

Conclusão

A vida em sociedade pressupõe discordância em diversos assuntos, em vista da pluralidade de vivências e opiniões que cada indivíduo acumula ao longo de sua vida. Portanto, as divergências são comuns, assim como os desentendimentos.

A distribuição de conteúdo através da internet aumenta o alcance de diversas notícias e dos atos praticados por pessoas públicas, que muitas vezes geram repercussão dentro e fora da tela.

É certo que todo indivíduo possui o direito de manifestar seus pensamentos, no entanto, possui a responsabilidade em arcar com as consequências – inclusive as negativas – dessa exposição.

Por isso, é necessário ter cautela com o que se publica na internet. Opiniões negativas podem ser expostas, desde que com respeito e sem a intenção de ofender pessoalmente alguém; caso contrário, a conduta pode se enquadrar como um crime, como ocorreu nos casos supra mencionados.

Sabemos que esse assunto é complexo e esse texto pode não atender todas suas dúvidas, por isso, se quiser saber mais, entre em contato com nossos advogados.

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